domingo, 24 de agosto de 2008

SEGUNDOS ENSAIOS

PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULODEPARTAMENTO DE EXPANSÃO CULTURALNÚCLEO VOCACIONAL



VOCACIONAL APRESENTA
SEGUNDOS ENSAIOS
Julho 2008

Ensaios que compoem essa segunda fase:

Jalc – Uma Escolha por Roberto Morettho
O Anfitrião da Alegria por Lilih Curi
Grupo Faces Ocultas por Soraya Aguillera
Ensaio sobre os Olhos de Ressaca por Paulo Faria
Ensaio para a comunhão da alegria e do teatro por Maria Ângela Ambrosis
No Livor da Língua – Grupo Pé di Pano por Ângela Barros
Militão, o militante do teatro capitão por Maria Ângela Ambrosis




Pedimos aos integrantes dos grupos que tiveram ensaios escritos pelos artistas-orientadores do Vocacional Apresenta ou a todo espectador dos espetáculos que nortearam os ensaios para partilharem também suas reflexões. Para tal pedimos que nos enviem suas reflexões ao nosso e-mail: vocacionalapresenta@gmail.com com cópia para o e-mail do autor do ensaio.

JALC – UMA ESCOLHA
Por Roberto Morettho
betomoretto@yahoo.com.br
O espetáculo “A Escolha” do grupo de teatro JALC, trata da procura de um homem ateu entre o sofrer ou não sofrer, de querer ou não viver em harmonia consigo e com os acontecimentos que o cercam, e por se tratar de um espetáculo em processo existe ainda um período de amadurecimento e de entendimento de escolhas as quais o grupo deve ficar atento.
Importante citar que apesar de o grupo pertencer a uma comunidade de jovens da Igreja Católica, desenvolve a dramaturgia do espetáculo em cima de questões morais universais. E de certa maneira tentam construir essas questões dialeticamente. Na primeira apresentação que acompanhei ficava em aberto a possibilidade do personagem principal (Jonas) ter cometido suicídio, numa apresentação mais recente esse mesmo personagem era socorrido por um amigo antes do suicídio o que empobreceu a construção dialética. È importante o grupo atentar para a diferença dessas escolhas e preferir aquelas que ampliem os questionamentos do espectador. A cena joga também com três espaços o do real, o do sonho e o espaço do sagrado, proporcionando possibilidades de leituras pelo espectador. Nesses espaços existe a possibilidade de tratar os movimentos corporais, o som, a luz, etc; de maneiras diferentes. Isso ampliaria a teatralidade do espetáculo e ampliaria a leitura do espectador.
Com relação ao restante dos aspectos dramatúrgicos do espetáculo existe uma unidade entre o cenário, a luz, as musicas e os figurinos que criam uma atmosfera sombria e pesada, apropriada ao tema tratado. É importante frisar que se por um lado isso gera uma composição coerente e uniforme para a peça, por outro lado causa um cansaço e uma impressão de lentidão monocórdia. A sugestão é criar contrapontos dessa atmosfera através do jogo dos atores que pode ser mais leve e ágil. Também seria interessante propor algumas pequenas rupturas que criassem um clima mais leve nas musicas e na luz. Dois exemplos são as cenas da filha cantando uma música de roda e quando Jonas acorda de seu pesadelo em sua casa. Elas propõem um corte, mas trazem uma interpretação e uma música carregada, soturna e pesada o que reforça o clima instalado.
O espetáculo contém também alguns momentos de narração que devem ser revistos e usados como contraposições ao ambiente criado, agregando-os a ações e a jogos de cena. Algumas indicações são narrações trabalhadas em jogral, ou ainda cantadas, jogadas em ações diversas, faladas como arautos, etc. Ter contato com contadores de histórias pode ajudar o grupo nessa busca. O importante é achar soluções que surpreendam o espectador e que facilitem a comunicação da peça.
Com relação à trilha sonora seria interessante definir algum estilo musical e aproveitar a presença de um músico em cena para produzir ao vivo algumas dessas músicas. Ou mesmo para que ele fizesse uma sonoplastia com o instrumento, acompanhando algumas cenas. Soa confusa a variedade das musicas escolhidas e é pouco aproveitada a habilidade de um músico-ator que faz parte do grupo.
Música ao vivo e gravada, ação dramática e ação narrativa, espaço que evoca a realidade e outro de sonho e delírio, personagens alegóricos e personagens realistas, dilema entre o bem e o mal e uso de luzes sóbrias com recortes claros e leves. Essa soma de possibilidades é que pode trazer o contraponto ao clima soturno e pesado instalado na cena e tornar o espetáculo mais dinâmico em seu caminho. O grupo já tem em seu repertório as ferramentas para transformar uma cena em processo numa cena em progresso e proporcionar uma comunicação mais profunda com o público.

O ANFITRIÃO DA ALEGRIA
Por Lilih Curi
lilihcuri@terra.com.br

Na terça feira, dia 08 de julho de 2008, o Grupo Rodar abriu o ciclo de apresentações de peças de rua, dentro da programação “Teatro de Rua em Pauta” do projeto Toda Terça Tem Teatro – Vocacional Apresenta – no CEU Butantã.

As cadeiras de plástico brancas formaram um círculo do lado de fora do Teatro Carlos Zara, uma caixa de som anunciava que ali haveria a apresentação do espetáculo “O Anfitrião”, uma adaptação de apenas 35 minutos da secular comédia de Plauto. Estava frio, mas o público compareceu. As 40 cadeiras foram preenchidas e algumas pessoas ficaram de pé.

No início a jovem banda de atuadores - muito bem afinada - tomou conta do pátio externo do CEU. Os atores se apresentaram fortes, munidos dos instrumentos, avançando no espaço até tomar conta do círculo. Havia um encadeamento preciso, compassado, entre o som e o corpo. Rodar apresentava-se de maneira alegre, prazerosa, irreverente, fufônica! Fiquei feliz.

Esse prazer contagiou todo o público. Havia muitas crianças na platéia e elas se divertiam com os atores. O jogo estava presente em cada fragmento de cena. O público foi participativo, saiu de seus lugares, dançou com os atores, congelou, descongelou, voltou pra cadeira, permaneceu no palco-círculo, por momentos festejou, se fez artista.

Construir essa programação especial de Teatro de Rua justificou cada dificuldade com a presença do Grupo Rodar no CEU Butantã. Questões técnicas como o adequado uso do espaço, as possibilidades de uso / emissão vocal e corporal tornaram-se secundárias aqui. Ainda há o engessado molde italiano de se fazer teatro mesmo num lugar onde as paredes e cortinas de fato não existem, recursos cênicos de um imperialismo técnico invisível. Tais questões serão abordadas no último dia da programação no encontro “A rua em jogo no CEU Butantã”.

A opção por enxugar o texto original de Plauto foi um acerto do grupo. Os 35 minutos de espetáculo condizem com a condição da rua, não cansam o espectador e traz foco à história que coloca em questão o poder e seu funcionamento dentro do binômio patrão/empregado, senhor/servo.

Mas, vale edificar o prazer, a alegria de fazer teatro, a necessidade de jogar, trocar, comunicar, construir, viver. O conjunto de atores do Grupo Rodar é muito bem preparado, vivo, feliz, disponível, e foi de fato o anfitrião da alegria naquele dia.


Grupo Faces Ocultas
por Soraya Aguillera
sorayaaguillera@terra.com.br

O Grupo surgiu em Setembro/2006, dentro do Projeto Teatro Vocacional, na Casa de Cultura da Penha, sob orientação da Artista Orientadora Regina Campos. Na primeira formação 12 integrantes. Este ano, além da adaptação do conto de Brecht, planejam encenar Marco Antônio e Cleóprata, previsto para o final do ano ou início do próximo. Grandes projetos tem o Grupo Faces Ocultas, hoje com 25 integrantes, e sob a liderança firme e centralizadora da diretora e adaptadora Deise Guelfi.
Assisti ensaio geral do espetáculo O Mendigo ou O Cachorro Louco, no dia 27/06/08, na Casa de Cultura da Penha.
O conto de Bertolt Brecht, O Mendigo e o Cão Morto conta a chegada triunfal de um imperador ao seu palácio quando encontra, deitados em frente ao seu portão, um mendigo e seu cão morto. Diante do inusitado, o imperador sente-se agredido pela insolência do mendigo, por tratar-se de seu território nobre e ainda ser o dia de comemoração da vitória sobre seu maior inimigo. Entretanto, movido pela emoção da conquista, resolve falar com o mendigo. Então passa a argumentar, contra o ato ofensivo do mendigo, mostrando sua importância e superioridade de nobre realizador de grandes feitos. O mendigo, por sua vez, conforme vai ouvindo os relatos vazios, constrói antíteses, derrubando todos os argumentos de superioridade. Por fim, o imperador vendo-se derrotado, entra no palácio cabisbaixo. E o mendigo, movimentando-se em conversa com seu cão morto, permite ao público perceber tratar-se de um cego.

A adaptação de Deise Guelfi, não deixa claro os motivos da alteração significativa do título original: de O Mendigo e o Cão Morto para O Mendigo ou o Cachorro Louco. O conto de Brecht apresenta 02 personagens: O Imperador e o Mendigo. A montagem do Grupo Faces Ocultas tem duração de 30 minutos e apresenta: seis Imperadores (César, Alexandre o Grande, Maria Antonieta, Napoleão Bonaparte, Adolfh Hitler e George W. Bush), que ao se dirigirem às comemorações de suas conquistas em praça pública, deparam-se com 06 mendigos no caminho, com os quais travam um diálogo filosófico e político sobre as diferentes condições de suas posições. Na tentativa de reforçar as idéias expostas, três Bobos-da-Corte e um Violeiro interferem no diálogo, recitando poemas de Brecht durante o desenrolar dos acontecimentos.

A reflexão após o ensaio foi bastante produtiva. Os integrantes tem consciência de suas limitações teóricas e práticas. O teatro épico e didático caracteriza-se, em Brecht, pelo cunho narrativo e descritivo cujo tema é apresentar os acontecimentos sociais em seu processo dialético. Procurei, de maneira bem objetiva e breve, esclarecer as propostas do Teatro de Bertold Brecht, apontando os problemas da encenação apresentada pelo grupo durante o ensaio geral. Nossa reflexão surtiu efeito, o grupo fez várias mudanças significativas para a estréia. Para as personagens históricas: César, Alexandre o Grande, Maria Antonieta, Napoleão Bonaparte, Adolfh Hitler e George W. Bush, que são trazidas para o Brasil, criamos uma cena onde elas são apresentadas à platéia, isso trouxe mais clareza e sustentabilidade para essas personagens. Como a encenação estava muito apoiada no texto outras cenas foram criadas. E em vários outros momentos, a relação direta do ator com o espectador. A música, reproduzida ao vivo, por guitarra e voz fortalece a encenação. Os figurinos e os poucos objetos de cena acompanham bem a montagem.
A peça do Grupo Faces Ocultas, O Mendigo ou o Cachorro Louco estreou no dia 01/07/08 no Teatro Alfredo Mesquita dentro do Projeto Vocacional Apresenta, com maior clareza na encenação. O espetáculo conquistou a simpatia do público que durante a reflexão abordou temas políticos e sociais.

Proponho um aprofundamento teórico e prático sobre o teatro épico. Que a adaptadora, diretora e líder do Grupo Faces Ocultas, Deise Guelfi, participe de oficinas de dramaturgia e direção e que o elenco faça oficinas de interpretação. O Grupo já foi orientado pela AO Regina Campos. Atualmente estão sem orientação do Teatro Vocacional. Eles estão totalmente abertos à orientação. È um grupo com 25 integrantes, dedicados e realizadores. Bem conduzidos pela líder Deise Guelfi. O Grupo apresenta muitas qualidades na disciplina e na produção de seus espetáculos porém, ainda necessitam de formação básica de teoria e prática teatral.



Ensaio sobre os olhos de ressaca
por Paulo Faria
paulofaria.faroeste@yahho.com.br

O Grupo Artemanha de Teatro teve platéias lotadas durante toda a temporada do Vocacional Apresenta, com um público em maioria de alunos e professores da rede pública de ensino, O interesse? Dom Casmurro. A platéia pôde se debruçar sobre a adaptação e questionou critério de seleção dos assuntos e conflitos que o original tem. Pouco se falou do fazer teatral e muito do universo machadiano, o que possibilitou discutir o teatro como ferramenta dentro da escola para auxiliar o ensino curricular. Mas não despertou interesse como ferramenta estética que estimulasse na platéia uma avaliação mais profunda da peça teatral. O grupo foi sempre muito elogiado em sua escolha do tema. E de fato, merece todos os elogios. A montagem e o elenco tiveram enorme empatia com o público. Além da sensibilidade e afeto pelo fazer teatral da jovem diretora Wal, que transborda paixão em seus comentários.
O Grupo teve o árduo e arriscado trabalho de adaptar “Dom Casmurro” de Machado de Assis. E o caminho escolhido para a adaptação foi o mais enxuto possível, evocando a objetividade da estrutura de um texto teatral. Porém deixando de lado as pérolas dessa história. A peça do Grupo Purangaw obedece ao ciclo de enfoques do romance:A ação do livro acontece em duas fases, a primeira vai da adolescência de Bentinho com a decisão de seus familiares que, por uma promessa feita por sua mãe, ele deveria tornar-se padre. O convívio com Capitu e a luta para se unir a ela, contrariando a vontade dos familiares. O casamento, o qual torna Bentinho um homem lutador que busca por seus sonhos. A segunda parte trata desde sua separação de Capitu, por causa da desconfiança sobre a paternidade do filho, até o seu fim solitário, como homem frio que esqueceu sua luta para conquistar Capitu.
O figurino é muito bem cuidado e o grupo se utiliza do recurso de maquiagem/indumentária para envelhecer um pouco mais o jovem elenco. Isso é muito instigante como uma busca das dramaturgias que compõe o espetáculo. Mas parece que isso não está muito assimilado pelo processo.

Vamos lembrar Machado de Assis e seu universo ambíguo retratados nos olhos de ressaca de Capitu: “Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. (...) Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. (...) Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos perdemos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve”.
Como traduzir tamanha riqueza para a cena teatral? Mas que Brasil é esse que Machado de Assis se mostra abre-alas de um modernismo que surgirá no século XX?
Bem, vamos começar pelo personagem narrador. Bento é ditador e vítima da sua própria narrativa e transforma a realidade numa teia. Causando identificação do leitor/público com Bento: o real é o que parece real, é o que imprime modernidade ao texto transformando-se num romance aceitável e subversivo, uma alegoria do II Reinado no Brasil do século XIX. A história se passa no Rio de Janeiro do Segundo Império, e conta a trajetória de Bentinho e Capitu. É um romance psicológico, narrado em primeira pessoa por Bentinho, o que permite manter questões sem elucidação até o final, já que a história conta apenas com a perspectiva subjetiva de Bentinho. Em Dom Casmurro, encontramos a dúvida sobre a existência do adultério de Capitu, não havendo nenhuma cena que o comprove, permanecendo apenas como suspeitas. Machado de Assis permite, ao deixar o final com uma questão em aberto, que um mesmo leitor retome o livro e tire diferentes conclusões a cada vez que o relê. A montagem consegue preservar esse dado e transborda para a platéia essa dúvida, grande trunfo do romance. Mas será que a montagem conserva essa interatividade que o romance propõe? Será que tem consciência desse fato?
Em Dom Casmurro, Machado de Assis enquanto narra, discute o ato e o modo de narrar. Ele põe em prática a metalinguagem, em que a própria narrativa trata de se auto-explicar. Logo no início, a metalinguagem ganha corpo, quando o personagem-narrador explica o título do livro e os motivos que o impulsionaram a escrevê-lo: “Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores, alguns nem tanto. E mais adiante: Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos os motivos que me põem a pena na mão”. Durante toda a narrativa de Dom Casmurro, a metalinguagem tem um papel fundamental, dando um tom muitas vezes jocoso, ou criando cumplicidade com o leitor, que ao invés de apenas ler passivamente, participa do próprio ato de narrar, ao servir de confidente do escritor, transcendendo o próprio texto. Falta ao espetáculo teatral do Grupo Purangaw uma investigação no fazer teatral, através da metalinguagem, para traduzir ao público o jogo inteligente que o livro causa ao leitor. A encenação recria um Dom Casmurro histórico, numa montagem que parece ter saído de um museu, tamanha a intenção de recriar nos figurinos, maquiagem, cenografia, gestos, um período e menos a obra de Machado de Assis. Porém, esse também é o mérito maior da montagem. Ter se espraiado numa grande fonte literária, o que demonstra interesse também pelo texto teatral, porém, carece de diálogo com a cena contemporânea – prato cheio para o deleite teatral. Falta um propósito estético nesse mergulho tão interessante.
Vamos tentar entender onde a narrativa de Machado brinca com a metalinguagem:
1. Ao narrar as tentações vividas na juventude dirige-se a uma possível leitora "Tudo isso é obscuro, dona leitora, mas a culpa é do vosso sexo, que perturba assim a adolescência de um pobre seminarista".
2. Ao dar uma explicação, dialoga com o leitor dizendo: "Não sei se me explico bem. Suponde uma concepção grande executada por meios pequenos".
3. Depois de longa narração preliminar, chega ao ponto em que vai narrar o casamento e diz: "Pois sejamos felizes de uma vez, antes que o leitor pegue em si, morto de esperar, e vá espairecer a outra parte; casemo-nos."
Portanto, falta ao trabalho do Purangaw uma investigação e tradução dessa linguagem para o texto teatral e conseqüentemente para a encenação e interpretações. Ao contrário, o grupo se ateve a maneirismos para recriar o universo machadiano - arriscado e cheio de obscuridades. O espetáculo tem excesso de música. Cada personagem tem a sua trilha e cada vez que entra em cena a música é tocada (referencia claramente televisiva). Isso vai criando um ritmo monocórdio a montagem, somada a lentidão com que os objetos são retirados e colocados, sem muita necessidade, e aumenta mais esse ritmo descompassado. A um exemplo claro na cena: a mesa do Dom Casmurro/Machado/velho não sai quase nunca, quebrando este possível código de retirada de objetos para criar novas cenas no palco. Os móveis poderiam permanecer em nixos mais bem definidos no espaço, sem precisar sair. Misturar os espaços, buscar uma poética cenográfica e coreográfica para as cenas. O elenco poderia auxiliar as contra-regras e as cenas poderiam ser mais amalgamadas. O espetáculo tem 50 minutos, mas parece ter o dobro de tempo.
Porém o espetáculo tem belos caminhos da encenação que poderiam ser mais investigados, como o jogo entre ação e narração, em que os atores poderiam saborear mais esses opostos. Criar imagens, signos, jogos de cena, mergulhar no efeito e magia teatrais, sem se ater ao que menos interessa a Machado de Assis: a obviedade. No desenvolvimento do romance, o narrador diz que tentou “atar as duas pontas da vida”, a juventude e a velhice, ou nascimento e morte. Essa tentativa fica evidente em algumas de suas atitudes, descritas a seguir:
1. Relembrar sua história enquanto jovem, e tentar reviver as lembranças após a parada para analisar sua vida e perceber que talvez estivesse errado.
2. O relacionamento paradoxal com Escobar, que sendo amigo era também um fantasma na vida conjugal, pois Bentinho acreditava que ele era o amante de Capitu.
3. Os sentimentos antagônicos em relação ao filho Ezequiel, por sua semelhança com Escobar.
4. A construção de uma casa idêntica à antiga casa da Rua de Matacavalos onde viveu quando criança.
Esta outra simbologia do romance não é considerada pela montagem, que não utiliza esses extremos em nenhum momento. Há divergências sobre a traição de Capitu. Várias teses acadêmicas já abordaram o assunto e nenhuma chegou a uma análise conclusiva. Esta questão o grupo conserva e invade a platéia que no debate se ateve a suposta traição. No livro percebe-se o fenômeno da intertextualidade, o mais expressivo é com o romance Otelo, em que Bento se associa a Otelo (ciúme), Capitu a Desdêmona (suspeitas de traição) e José Dias a Iago (consciência obscura-incurtem em Bento e Otelo, respectivamente, o ciúme em relação às suas amantes).
Valeria ao grupo, quando se tratar de uma adaptação literária, como esta, um estudo do gênero e do romance, contextualizando sempre para que a obra encontre significado na encenação e um propósito para as interpretações.
Vale ressaltar o talento jovem dos atores e a direção sensível. O grupo merece ter uma orientação do Vocacional para provocar mais o talento promissor da troupe, que tem em cena seus olhos e peles com brilho apoteóticos, vibrantes. São jovens atores que se definem no palco como apaixonados pelo despertar do fazer teatral, em garras afiadas de quem quer e precisa de alimento para crescer mais e mais. Taí um belo caminho trilhado nos arroubos da juventude, mas que carece de subversão, outras versões no verso e reverso desse praticável teatral.


Ensaio para a comunhão da alegria e do teatro
Grupo Vital
Por Maria Ângela de Ambrosis
ambrosis@terra.com.br

“Para valorizar o teatro, como fenômeno social e cultural, tomamos automaticamente o público como referência. Porém, as relações entre os atores e o público somente ficam importantes em uma segunda etapa. Antes de mais nada, o que conta são as relações que se estabelecem entre aqueles que fazem teatro.
A primeira fase social do teatro tem lugar no seu interior: no modo com indivíduos diferentes regulam suas relações de trabalho e socializam suas próprias necessidades. O caráter desta primeira socialização decide o lugar e a influência do grupo teatral na sociedade.”
Eugênio Barba, Para além das ilhas flutuantes, pg 148. Editora da Unicamp, Campinas.
Começo nossa reflexão por esta frase porque o que chama atenção no Grupo Vital é o prazer do encontro das pessoas. Como a própria Elisabeth coloca, a formação e objetivo do grupo é trabalhar com jovens, oferecendo oportunidade de encontro e arte para não ficarem perdidos nas drogas e violência urbana.
‘Antes de mais nada’, o encontro e a vontade de se encontrar é o primeiro princípio para o fazer teatral. Ao que parece, este princípio está muito bem aproveitado pelo grupo. Em sua dinâmica nos ensaios, o grupo conversa abertamente sobre as apresentações e sobre as atitudes benéficas ou não de seus integrantes no momento das apresentações. Em outras palavras, lava-se a roupa suja, limpa-se a casa, organiza-se o trabalho para então dar início ao ensaio.
Gustavo coloca a disposição do grupo seu conhecimento para aquecimento corporal que aprende na capoeira. Em seguida, iniciam o ensaio da peça passando e repassando as cenas, as marcações. Tudo permeado por brincadeiras e gozações que, se por um lado divertem e cria um clima descontraído, por outro cria uma desconcentração pouco benéfica ao trabalho de fazer teatro.
Isto se reflete na cena e na apreciação com o público. Na cena, percebemos uma união do grupo onde todos estão à vontade em seus papéis, talvez fruto do estar à vontade com o grupo. Porém, em alguns momentos do espetáculo, a cena perde o foco, as falas se atropelam, o público fica sem saber para onde olhar, no que prestar atenção e mesmo sem saber o que está acontecendo. No debate junto ao público, a apreciação, a brincadeira e a descontração não ajudaram o grupo a mostrar a sua seriedade no fazer teatro. Ao que parece, o teatro para este grupo é o grande momento de festa e de brincadeira, então nada muito profundo é levado a sério no debate.
Como equilibrar esta alegria do brincar com a concentração para fazer teatro? Este foi o objetivo de nosso segundo encontro: refletir sobre esta questão. Os jogos, as brincadeiras, o jogo dramático, o jogo teatral são fontes de criação e são técnicas de aprendizagem do fazer teatral. Então por que não buscar estas fontes de jogo e brincadeira que unem a alegria e o aprendizado da linguagem teatral? Nesse sentido, é que insisto na necessidade de formação técnica do elenco. E já que o jogo e a brincadeira são tão bem vindos, que seja esta a via de formação para vocês, inclusive, para aprender a brincar sem dispersar. Como vimos neste encontro, a questão da concentração foi ponto central de nossa atividade e discussão.
Esta instrumentalização técnica também auxiliará o desenvolvimento do ensaio também não só para ele ficar mais concentrado, mas também para que ele seja sempre um exercício da criatividade, um momento de criação e descoberta do personagem, do jogo e da cena teatral.
A flutuação do elenco no ensaio e mesmo nas apresentações faz parte desta dinâmica do grupo que concentra sua maior atenção no prazer do encontro que no prazer da criação teatral. A formação técnica em teatro pode ajudá-los a encontrar este prazer no fazer teatral que envolve concentração, objetividade, alegria, criatividade e muito trabalho.
De fato, neste ponto, o espetáculo também pode ganhar maior profundidade em relação à dramaturgia. O espetáculo parece ter apenas a preocupação em mostrar comicamente os personagens tipos e suas relações, num bairro qualquer, mediados pela fofoqueira. Qual é objetivo de cada cena? Por exemplo, a cena da coreografia com a música dos Titãs. É uma música forte e densa, inclusive em sua temática social onde, em meio a tantas doenças, ‘o pulso ainda pulsa’, para fazer graça com a mania de doença da velhinha. A densidade da música e da coreografia não combina com o humor que se quer da cena, assim, perde-se objetivo dela e a coreografia fica deslocada do conjunto do espetáculo.
Para finalizar, retomo nosso texto inicial de Eugênio Barba, o princípio do encontro e da socialização entre os atores é um primeiro momento da função social e cultural do teatro. O segundo é a relação deste grupo social e cultural com seu público, com sua comunidade por meio do teatro. É este segundo momento que cabe ao Grupo Vital buscar novas soluções para melhor se comunicar com a comunidade, para melhor expressar sua visão crítica sobre a sociedade, para melhor justificar a existência do grupo como formador de cidadão, não só de seus integrantes, mas de seu público também e, para tanto, construir melhor o seu fazer teatral.


NO LIVOR DA LÍNGUA - Grupo Pé di Pano
Por Ângela Barros
angelitabarros@gmail.com
A farsa do boi, bem poderia ser a farra do boi!!!!ao contrário do costume bárbaro, o que o espetaculo nos proporciona é um ótimo divertimento e muito respeito ao bichinho !
E é também com muito respeito que o grupo trata um dos temas mais recorrentes e significativos do folclore nacional, sendo este um dos documentos da existência do nosso povo. “O estudo do homem não pode prescindir do conhecimento das formas do seu folclore, como manifestação básica de suas idéias, de suas vontades e de seus sentimentos”(Renato Almeida)

Temos aqui um espetáculo alegre , colorido, bem humorado, que apresenta ao público a estória do boi, presente na cultura de tradição em muitos estados brasileiro.
O espetáculo tem música, canto, ciranda, pajelança e uma ótima adaptação da estória recortado por um telão colorido cheio de vales e montanhas com suas pueris vaquinhas pastando num campo verde e calmo!
E é neste “clima” pueril que as contradições se dão : O empregado da fazenda que se casa com a filha do fazendeiro,”O Coronel”. A matriarca que ama o boi mais que a própria filha. O empregado que desobedece o patrão em função de uma promessa amorosa.
E afinal, qual é o desejo da filha virgem, senão a língua do boi? Essa protuberância, esse apêndice? esse falo guardado dentro da boca como uma arma?
Atores bem preparados quer do ponto de vista do entendimento da obra, bem como das necessidades do palco; jovens atores, basicamente formados no Projeto vocacional que levam adiante a difícil tarefa do ofício do ator : dar forma artística às suas questões com o mundo!
É perceptível neste grupo a valorização do conhecimento do fazer teatral, quer na encenação, no trabalho do ator, nos figurinos, etc.
Grupo organizado e muito disciplinado quanto as coisas do palco, camarins e teatro .
A apreciação foi muito envolvente, pois a temática popular propiciou muita ” memória, sonhos e reflexões”!


Militão, o militante do teatro capitão.
Por Maria Ângela de Ambrosis Pinheiro Machado
ambrosis@terra.com.br

Grupo Filhos de Maria Gorete
Espetáculo: Lampião, o cangaceiro capitão

Este grupo é composto por seu ator, Militão e o diretor Luis. Estabeleceram contato com Vocacional Apresenta por meio do Paco. Ao assistir o trabalho, Paco sugeriu ao grupo um trabalho específico sobre a comunicação e expressão corporal do espetáculo. A proposta foi aceita e Paco indicou- me para realizar este trabalho.
O texto conforme Ficha Técnica do grupo foi criado por Militão Rodrigues e Leandro Nascimento. E tiveram por referência as pesquisas por meio da internet, livros (O Cangaceiro, de José Lins do Rego) e dos filmes: O Baile perfumado, O cangaceiro, Deus e o diabo na terra do Sol, Sangue de Bairro.
O grupo demonstra um bom trabalho de pesquisa e de apropriação do tema. Isto se vê refletido na criação do texto que apresenta uma coerência básica e uma estrutura narrativa clara e objetiva. Os ajustes necessários à dramaturgia do texto podem vir acompanhados dos ajustes necessários à dramaturgia da cena, por se tratar também de uma criação conjunta texto e cena. Um olhar mais apurado para a dramaturgia do texto ficou a cargo do artista orientador Paulo Faria. Em todo caso, fica a sugestão desta revisão da dramaturgia do texto compor-se junto com a dramaturgia da cena.
Em linhas gerais, o texto é a narração da história de Lampião e é falado por um personagem, que ao final da narrativa, descobrimos ser um ex cangaceiro, soldado fiel a Lampião.
Nosso encontro ocorreu no dia 23 de junho de 2008, em sala gentilmente cedida por Marco Ozzetti, coordenador de cultura do Espaço Cultural do Tendal da Lapa. Foram 8 horas de trabalho muito bem aproveitados por ambos, eu e Militão.
Chegamos às 13:00 horas. Militão prepara-se para me mostrar todo o espetáculo. Conforme ia montando o cenário, ia dizendo o que era quando necessitava improvisar o cenário, por exemplo, a cadeira virou o banquinho que não pôde ser trazido. O que pôde trazer de material de cena, figurino e cenário, ele trouxe. O que não pôde, pedi que improvisasse com o que tivesse ali disponível. Militão mostrou-se completamente disponível. A maleabilidade de improvisar seu cenário é a mesma encontrada realizar os exercícios, experimentar, compor e/ou recompor a cena.
Após a primeira passagem do espetáculo todo, Militão comenta o que gostaria de realizar em algumas cenas relativas à questão da expressão e comunicação corporal. Sugeriu a criação de dois momentos coreográficos no espetáculo, bem como, uma melhor construção das ações físicas.
Assim, meu objetivo nesse encontro foi sugerir a ele algumas técnicas de pesquisa corporal, para que ele pudesse desenvolver sozinho em seus ensaios como também auxiliá-lo nas escolhas da expressividade do corpo que melhor compusesse o seu espetáculo.
Para tanto realizei uma atividade para orientá-lo na pesquisa de movimento. Optei por instrumentalizá-lo em duas qualidades de movimento distintas: o movimento de contração e expansão muscular e da respiração, provocando movimentos em continuidade e movimentos articulares, provocando movimentos quebrados. Após a pesquisa e alguns jogos, propus a construção de três estátuas corporais com temática da peça. Entre os movimentos e a construção das estátuas em cena, recriamos a abertura da peça. No decorrer do ensaio, Militão acabou por inserir as estátuas no espetáculo.
Retomamos cena a cena observando:
1) As ações físicas que compõe cada cena, recompondo a movimentação de cena, as intenções e as dinâmicas do conjunto de ações e os momento de interação com a platéia.
2) A distinção do personagem/narrador no tempo/ritmo da história narrada ou no tempo/ritmo de sua situação presente.
3) As possibilidades de dinâmicas para cada assunto narrado;
4) Os pontos de mudança da narração e, portanto, as mudanças no desenho das cenas;
5) A interpretação do texto que, no primeiro momento, estava centrada na ênfase da métrica e da rima que propriamente no sentido e na imagem que as palavras criavam. E conforme, eu ia observando, Militão ia experimentando novos modos de falar.
6) Nos momentos que ele propôs ser mais coreografados, sugeri não uma coreografia, mas um improviso de movimento baseado nas qualidades de movimento que havíamos pesquisado. Sugeri a ele que realizasse essa pesquisa com a música daquele instante do espetáculo.
7) Mudanças no texto em função de uma nova estrutura da cena.
Enfim, na minha avaliação, foi um muito proveitoso. Militão mostrou-se muito disponível e aberto ao diálogo, revendo, repropondo e refletindo sobre sua criação. Valeu a pena. E compreendo que valerá a pena a continuidade de acompanhamento ou pelo Vocacional ou pelo Projeto Ademar Guerra. Além do mais Militão tem interesse. Minha impressão de Militão é de um militante da arte do teatro, este capitão de desejos e vontades de expressão e de conhecimentos.

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